Telma Monteiro
O governo brasileiro planejou a construção de complexos
hidrelétricos com seis usinas na bacia do rio Tapajós e outras cinco na
sub-bacia do rio Teles Pires, nos estados do Pará e Mato Grosso. Junto a
esses complexos hidrelétricos estão em andamento os projetos de
hidrovias que só poderiam ser viabilizadas com a criação de grandes
reservatórios nos trechos naturalmente intransponíveis, de pedrais ou
encachoeirados, característicos dos rios da Amazônia.
Um grande processo de ocupação
industrial por empresas de fomento, processamento e distribuição de
grãos está ocorrendo na bacia hidrográfica do rio Tapajós – incluindo os
seus principais formadores, os rios Teles Pires e Juruena.
Investimentos estão sendo direcionados para construção de terminais de
armazenamento e de embarque, e grandes empresas de mineração e
eletrointensivas se interessam por portos fluviais e hidrovias para
ampliar a capacidade de transporte de carga. Em paralelo às atividades
de extração madeireira estão sendo abertas novas rodovias que cortam
unidades de conservação e terras indígenas, para escoamento de produtos
extraídos da exploração dos recursos naturais.
Essa logística integrada visa atender
exclusivamente às prioridades do governo brasileiro para incrementar o
aumento do consumo interno e intensificar o comércio exterior de commodities. Isso
só é possível com a ocupação dos territórios amazônicos para induzir e
catalisar o crescimento econômico. Os projetos devem passar por cima dos
direitos imemoriais à posse dos territórios e ignorar a presença de
povos indígenas e de populações tradicionais.
A chamada “dimensão socioambiental” do
desenvolvimento não foi considerada no planejamento e “novas-velhas”
formas de ocupação econômica insistem em ignorar a biodiversidade e os
direitos humanos. Em que estaria calcada a projeção da demanda para
justificar um aparato logístico de terminais portuários e do transporte
hidroviário industrial na Amazônia, usando o modelo europeu?
O governo brasileiro criou em 2007 o
Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) que prevê, entre outros
projetos estruturantes, a construção de 36 Terminais Hidroviários na
Amazônia, dos quais 21 já estão em obras e 15 em estágio de licitação;
construção de eclusas; incentivo à Construção Naval; construção de
embarcações de longo curso, de cabotagem, apoio marítimo e navegação
fluvial, com 384 embarcações – 103 já estão concluídas; construção e
modernização de oito estaleiros.
Um grande aparato chamado de Plano
Hidroviário Estratégico - PHE (1) - foi apresentado no final de 2009
pelo Ministério dos Transportes e pelo Departamento Nacional de
Infraestrutura e Transportes (DNIT). O objetivo do plano que acabou
integrando o PAC 2 seria "levar aos rios os planejamentos feitos para a
malha ferroviária do país" com linhas de financiamento do Banco Mundial
(2), já contratadas.
Em março de 2010, o secretário nacional
de Transporte, Marcelo Perrupato, declarou publicamente que o Brasil
tinha confirmado uma nova linha de financiamento com o Banco Mundial
para investimentos em hidrovias, no âmbito do Plano Hidroviário
Estratégico. Conforme sua declaração, esse empréstimo entre Brasil e
Banco Mundial está voltado ao setor de transportes aquaviários, em
especial para as waterways.
O PHE investigou os principais
corredores da Amazônia para criar hidrovias e analisar junto com a
Agência Nacional de Águas (ANA) uma estratégia de desenvolvimento do
transporte aquático. Já se articula a construção das novas hidrelétricas
com eclusas para possibilitar a transposição de desnível e superar os
obstáculos naturais dos rios. As chamadas Vias Navegáveis tornaram-se
prioridade da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Infraestrutura
Nacional do Congresso Nacional.
Entre os interessados na integração
física e econômica dos estados e regiões brasileiras estão os setores de
fertilizantes, bens de consumo, grandes exportadores de commodities,
grandes grupos privados em infraestrutura, indústrias eletrointensivas,
empresas de energia – etanol, biodiesel - governos e as multinacionais,
junto com o Ministério dos Transportes. Todos esses setores manifestam
sua preocupação, essencialmente com os elementos de infraestrutura e os
eixos integrados de transporte voltados ao mercado interno, exportação e
importação (3).
Em dezembro de 2009 realizou-se o
seminário “Portos e Vias Navegáveis: um olhar sobre a infraestrutura”
(4), promovido pela Frente Parlamentar Mista em Defesa da Infraestrutura
Nacional com o apoio da Agência Nacional de Transportes Aquaviários
(Antaq). Entre os temas que foram tratados no seminário, estavam a
privatização da operação portuária no Brasil para modernização e
abertura da economia e a priorização do crescimento do transporte
hidroviário no Brasil, de 13% para 29% até 2025.
Todo esse plano de vias navegáveis faz
parte das políticas e projetos do Ministério dos Transportes para a
Amazônia que está em andamento desde 2009. Esse plano está articulado
dentro de um Plano Nacional de Logística de Transportes (PNLT) que
pretende incentivar a abertura de estradas vicinais para integrar a
produção isolada aos eixos estratégicos de transportes. Sob pretexto do
desenvolvimento sustentável do país e da preservação do meio ambiente o
governo brasileiro está estruturando um portfólio de investimentos e
identificando os chamados “vetores logísticos amazônico e centro-norte”
(5), dentro daquilo que representaria a nova organização espacial da
economia brasileira.
Em 25 de agosto de 2010 foi realizado em
Brasília (DF) o "Seminário de Navegação Interior - Cooperação Técnica
Brasil-Holanda” (8) para apresentar e discutir experiências de
representantes do Ministério dos Transportes, DNIT e Antaq, que fizeram o
curso de capacitação em navegação interior na Holanda. Esse curso foi
uma das atividades previstas no Acordo de Cooperação entre a República
Federativa do Brasil e o governo da Holanda. O Seminário reuniu o
embaixador dos Países Baixos no Brasil, Kees Rade, o Secretário de
Política Nacional de Transportes do Ministério dos Transportes, o
Diretor-Geral de Navegação da Marinha, além de dirigentes do
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT), Antaq e
Agência Nacional de Águas (ANA). Continua...
Notas:
1) O Brasil de Dilma http://www.revistahoje.com.br/politica.asp?id=103&titulo=O%20Brasil%20de%20Dilma&coluna=na&id_categoria=Capa , acessado em 17 de janeiro de 2011
2) Banco Mundial: linha de financiamento para hidrovias no BR
O crédito será usado nas licitações do contrato do Plano Hidroviário Estratégico http://www.tendenciasemercado.com.br/negocios/banco-mundial-linha-de-financiamento-para-hidrovias-no-br/ , acessado em 10 de janeiro de 2011
3) Projeto Norte Competitivo – Macrologística, disponível em http://www.macrologistica.com.br/9512.html , acessado em 18 de janeiro de 2011
http://www.portosenavios.com.br/site/noticiario/navegacao/601-ministerio-iniciara-estudos-para-o-plano-hidroviario-no-proximo-ano , acessado em 17 de janeiro de 2011
5) PNLT Vetores Logísticos
6) Seminário de Navegação Interior Cooperação Técnica Brasil-Holanda – disponível em http://www.transportes.gov.br/index/conteudo/id/36318 , acessado em 08 de janeiro de 2011
Telma Monteiro é ativista socioambiental e pesquisadora na área de energia e infraestrutura na Amazônia.
Twitter: https://twitter.com/TelmaMonteiro