Leonardo Sakamoto
Em momentos de crise, discute-se como reduzir os direitos
trabalhistas para evitar diminuição de crescimento. Em momentos de
pujança, discute-se como reduzir os direitos trabalhistas para crescer
mais rápido e garantir competitividade em um mercado global. Se correr o
bicho pega, se ficar o bicho come. Em outras palavras, há um recado
tocando em uma vitrola velha, sem parar, dizendo “se você nasceu
trabalhador, nunca vai chegar a sua hora. Há!”.
Um usineiro um dia disse que, diante de crise, eram necessárias
soluções inovadoras e em consonância com a qualidade de vida da
população. Por isso, estava mecanizando toda a sua lavoura de cana. Cana
é uma cultura cujo trabalho é ruim por natureza, ou seja, temos que
pensar como garantir alternativas de vida para as centenas milhares de
cortadores rapidamente. Não por causa da mecanização, mas pela garantia
da dignidade desse pessoal. Mas o usineiro em questão não disse que
passou décadas pagando mal e explorando gente para juntar o que hoje ele
gastou com as colheitadeiras. Em uma sociedade justa, parte desses
recursos seriam destinados e, na impossibilidade de entregar aos
próprios trabalhadores, seriam entregues a um fundo público para
aplicação nas cidades de origem desses cortadores. Em uma sociedade
justa.
Agricultura não resiste em nenhum lugar do mundo sem alguma forma de
subsídio. Chiem à vontade contra a Europa e os EUA, nós fazemos a mesma
coisa. E, portanto, não estou dizendo que eles não devam existir. O
problema da ajuda estatal é que ela deveria privilegiar a pequena
agricultura, que gera mais empregos e coloca comida na mesa do
brasileiro em detrimento à empresarial – mais isso é outra discussão.
Nem bem uma crise no exterior começa bater à porta e surgem diretores de
associações rurais e parlamentares da bancada ruralista reclamando por
mais recursos a juros nanicos, empréstimos que muitas vezes serão
perdoados ou rolados a perder de vista. E continuamos na velha toada:
quando nuvens escuras chegam no horizonte, o prejuízo é socializado.
Será que, quando a situação melhora, o pessoal pensa no coletivo e
socializa os lucros também?
Sei que investimento em obras públicas gera emprego e tem uma função
importante em momentos de turbulência para impedir que a economia vá
para o freezer. Mas não posso deixar de lançar um confete ao ar pelo
fato de alguns empreendimentos, que são sendo levados a toque de caixa,
passando por cima de discussões sobre impactos sociais e ambientais,
entrem pelo cano, seja por contingenciamento de recursos, seja por
incapacidade das empreiteiras que ganharam a obra de tocá-la adiante, em
momentos de crise. Conheço uma série de comunidades indígenas e
ribeirinhas que fariam três dias e três noites de festa se a obras da
Hidrelétrica de Belo Monte fossem congeladas. Existem formas melhores – e
mais sustentáveis – de promover o desenvolvimento. O problema é que os
que sempre ganham não ganhariam tanto.
Enfim, quantos postos de trabalho que são fechados durante uma crise
econômica dizem respeito diretamente à crise econômica? E quantos vão
embora na carona que grandes empresas tomam na justificativa do ajuste
de produtividade? Reestruturação que, em alguns casos, já estava pensada
há tempos, esperando o momento. Como diria o Velho Rosa, viver é muito
perigoso…
Por fim, os governos norte-americano e brasileiro poderiam
acrescentar nas obrigações que serão impostas às grandes montadoras
americanas – General Motors, Ford e Chrysler – a não-agressão ao meio
ambiente e aos direitos humanos para a manutenção do apoio econômico a
elas. O Tio Sam possui um programa de combate ao tráfico de seres
humanos que divulga anualmente um relatório analisando a situação desse
problema no mundo, fazendo recomendações e pressionando governos. Mas
não faz menção às subsidiárias de suas companhias, instaladas para além
de suas fronteiras, que possuem em suas cadeias produtivas situações
como trabalho escravo. Por aqui, as montadoras não se mexem muito para
mudar o quadro, não. Como o governo brasileiro gosta de dar dinheiro sem
contrapartidas sociais e ambientais, beleza, belezinha, fica tudo como
tá. E como o produto fica aqui dentro mesmo, ninguém ousa criar
barreiras ao lucro enviado para a matriz. Afinal de contas, isso é pior
que pecado.